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A Arte de Recomeçar: O Jardim Como Refúgio da Alma

Atualizado: 12 de mar.


Imagem IA
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Pausa? Não posso! Não consigo!

No corre-corre da vida, quando o cansaço extremo se instala, pode parecer absurdo parar para descansar, contemplar, brincar ou jardinar. Mas, na verdade, não há gesto mais essencial.


Escolhi essa canção para você ouvir enquanto lê o texto porque sua melodia e letra evocam a terra, a ancestralidade e a necessidade de desacelerar para ouvir o que a natureza nos conta. Convido você a apertar o play e permitir que o som e as palavras o envolvam.



Jardinar é uma arte que resgata a alma, regenera o espírito e faz florescer a criatividade da mulher exausta, muitas vezes rotulada de chata, estressada ou agressiva. Esse cansaço profundo, se ignorado, pode sufocar o coração e levar a posturas defensivas, arrogantes ou insensíveis, criando um ciclo de opressão silenciosa — tanto para si mesma quanto para os outros.


Como escreveu Clarissa Pinkola Estés:


"A mulher vive mais plenamente quando pode circular livremente entre os estados da criatividade e do descanso, do fazer e do ser."

Recuperar esse equilíbrio não é luxo, mas um ato de resistência e autocuidado.


O Tempo Que Nos Rouba

Diante do convite para jardinar, muitas dirão: "Não tenho tempo." E sucumbirão à desculpa mais comum que criamos para evitar o desconhecido. Talvez tenhamos nos acostumados com esses adjetivos — chata, estressada, agressiva — como se fossem qualidades permitidas para sermos mulheres empoderadas, autônomas e autossuficientes.


Não sei você, mas estou exausta deste mundo esgotado. De todos dizendo "estou na correria" enquanto se entregam a coisas que roubam a alma, destroem o espírito e sufocam as emoções. Um excesso de compromissos, eventos, barulhos e obrigações que nos afastam de coisas que realmente importam. Em nome de uma máscara que já não nos cabe — num rosto sem sorriso, sem brilho nos olhos, sem perspectiva de encontrar alegria no simples.


Recomeçar: Transgredir por Devoção

Não sei você, mas estou cansada de conversas sem alma, de temas vazios, de superficialidades que não nutrem. Compreender esse esgotamento é um primeiro passo do recomeço, mas não basta. É preciso transgredir.


Transgredir por devoção. Por amor próprio. Por compaixão.

Transgredir em nome da beleza. Olhar para uma rosa. Respirar fundo. Admirar o céu azul. Sentir o firmamento, o vento.

Transgredir apenas por um nascer ou um pôr do sol.

Transgredir em nome da terra. E de todos os elementais.


"O não encontro de si mesmo está na incapacidade de arcar com a transgressão".
"A verdadeira alma é transgressora".
"Aquele que não transgride, que não faz uso de todo o potencial de sua vida, de alguma maneira diminui o potencial de todos os demais". 

A Alma Imoral
Nilton Bonder

O Chamado da Terra

A terra é o elemento que estrutura tudo — nosso corpo, nossa casa, nosso mundo. Sem terra, não há estrutura, portanto, não há vida. Sem estrutura, somos frágeis como recém-nascidos, sem força nem mesmo para nos levantar.


Não sei você. Eu confesso: eu canso. Não de trabalhar minha alma e meu espírito, minha criatividade, minha selvageria e liberdade, mas me canso quando também caio no padrão do "tenho que". Me canso de esgotar a alma com insignificâncias e ruídos que drenam ao invés de nutrir.


Jardinar: Um Rito de Cura


Como eterna buscadora, filósofa de jardim e escritora quintalista, encontrei no meu quintal um refúgio — um santuário onde descanso, curo, reflito e transmuto em arte tudo o que a vida me oferece. Depois de tocar a terra, sentir a textura das pedras, caminhar sobre a grama, alimentar os pássaros e respirar fundo, minha criatividade desperta. Uma cascata de ideias brota, e o desafio seguinte é escolher qual inspiração chama mais alto — para mim, para os seres, para o planeta.


É incrível como as Musas se aproximam, sussurrando respostas e sopros de criação, sempre que me permito um tempo de qualidade no quintal.


Agora, aos 50 anos, entrego-me ao louvor da Terra como quem reencontra um antigo rito, seguindo os passos de Epicuro e Byung Chul Han. Brinco de jardinagem como quem dança com o sagrado. Faço kokedamas para sentir, entre as mãos, a pulsação viva do solo — porque, quando mexemos na terra, a terra mexe em nós.


Algo profundo se agita, algo essencial se realinha. Como se fosse magia, as respostas brotam desse centro radicular da Terra, onde descemos para curar nossas dores e renascer.


"Meu jardim secreto é afinal, de fato, também um jardim dos sonhos".
"O trabalho de jardinagem era, para mim, uma meditação silenciosa, um demorar-se no silêncio". 
Louvor à Terra
Byung Chul Han

Até quando vamos ignorar o chamado?

Até quando permitiremos que a vida nos esgote, ao invés de nos alimentar? A hora de ousar é agora. Nosso Jardim das Maravilhas, ou a Toca do Coelho, nos espera com encantos extraordinários e inefáveis. A dor e o olhar sem brilho são mensageiros nos convidando à mudança. Que possamos ouvir esse chamado. Em benefício de todos os Seres.


Eu sou a Silvia, a filósofa de jardim, e escrevi isto! Aho!


O jardim é um vínculo concreto com a vida e a morte. Seria mesmo possível dizer que existe uma religião dos jardins, pois eles nos ensinam profundas lições espirituais e psicológicas...

O jardim é uma prática de meditação, a de dizer a hora de alguma coisa morrer. No jardim, podemos ver chegar a hora de desfrutar e a hora da regressão. No jardim, estamos nos movendo de acordo com a inspiração e a expiração da grande natureza selvagem, não contra ela.
Mulheres que Correm com os Lobos
Clarissa Pinkola Estés



Texto e fotografia: Silvia Sant'Ana

 

 
 
 

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