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"Quando o Caminho nos Leva de Volta para Casa"

Atualizado: 12 de mar.


Imagem IA
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O cinema está repleto de histórias de cães que se conectam profundamente com seus donos. Na literatura, encontramos uma passagem extraordinária em A Odisseia , de Homero. Quando Ulisses retorna a Ítaca, mantém-se disfarçado de mendigo antes de revelar sua verdadeira identidade. No entanto, seu cão, Argos, o reconhece imediatamente. Mesmo debilitado, Argos abana o rabo e tenta erguer a cabeça, demonstrando alegria e lealdade. Ulisses, comovido, precisa conter as lágrimas para não levantar suspeitas. A impressão que fica é que Argos aguardava apenas o retorno de seu mestre e, após reconhecê-lo, entrega-se ao descanso final, como se sua missão fosse cumprida.


As metáforas dessas histórias são pontes que nos permitem ressignificar nossas próprias trajetórias. Elas tecem uma esperança viva e vibrante de que, em algum lugar, podemos vivenciar experiências igualmente comoventes.


A metáfora faz tão parte do que somos e é tão preciosa quanto
 o sentido do tato.
George Lakoff

Do Livro: De Volta para Casa - Norman Fischer
Do Livro: De Volta para Casa - Norman Fischer

A história a seguir trata exatamente disso: ressignificar caminhos, partidas, retornos, encontros e reencontros, que dependem unicamente do tempo. Para tornar sua leitura mais completa, convido você a ouvir "Only Time" , de Enya. Essa música é um retrato desta história, um convite para confiarmos ao tempo aquilo que nos pertence.


Who can say where the road goes? Quem pode dizer aonde vai a estrada?
Where the day flows? Para onde vão os dias?
Only time. Só o tempo


A Coragem de Partir

Talvez seja mesmo preciso partir. Deixar o conforto do conhecido para buscar nosso tesouro. Abandonar, mesmo que temporariamente, quem amamos, o porto seguro e seguir por um caminho incerto nunca é fácil—só os valentes conseguem. Trocar o certo pelo incerto pode parecer insensato, mas tenho percebido que não há outra escolha. Afinal, o certo não existe e, com certo atraso, reconhecemos que o incerto também não.


O desconhecido por sua vez sempre foi o caminho escolhido por aqueles que buscam a essência de si mesmo e o Mistério. As antigas tradições espirituais como a indiana, por exemplo, confirmam isso. 


Deixar nossa casa, família, amigos—tudo isso precisa ter um propósito maior. Talvez, entre os mais íntimos, não seja o lugar onde conseguiremos transmutar de lagarta em borboleta.


Moisés ouviu o chamado de Deus para buscar a terra prometida, mas, para isso, teve que deixar sua parentela.


Fugir ou Seguir?

Então, partimos. Seja em busca de iluminação, conexão ou pertencimento. Seja em busca de criatividade, beleza ou êxtase. Ou, talvez, em busca de um amor.


Ou, mais profundamente, na busca por si mesmo.


Não importa o que se busca, desde que seja um desejo genuíno do coração.


Às vezes, sem avisar, sem deixar um novo endereço, porque algumas fugas não têm destino fixo. Como o peregrino que faz do mundo, das praças e dos albergues seu lar temporário.


Sim, às vezes, partir é necessário. Fazer a travessia é imprescindível. É a Fuga mágica do herói, aquele que busca um elixir, a cura, uma história, o Graal.


Para assim, reencontrar aquela parte nossa esquecida, que precisa se fortalecer para então se expressar de um jeito único e autêntico. E essa jornada, muitas vezes, é solitária. Como o patinho feio, seguimos em busca de um lugar onde não haja opressão, violência ou assédio—um lugar onde possamos, enfim, ser. É tudo sobre despertar a autenticidade e a doçura. 



Quando Partir É Instinto

Essa história de fuga, peregrinação e partida não é exclusividade dos humanos. Os animais também sentem quando um lugar já não lhes cabe. Quando o próprio grupo se torna agressivo, a única saída é correr estrada afora, buscando um território onde a generosidade de outros estrangeiros possa acolhê-los.


Os estrangeiros se reconhecem, se apoiam, se acolhem. Os estrangeiros se amam incondicionalmente. Pois, não há confronto de ego, nem inveja, ressentimento, nem competição. Eles estão livres no mundo, e essa liberdade é compartilhada e respeitada por todos aqueles que abraçaram, com alegria e coragem, o fardo que ela carrega. Porque ser livre não é para qualquer um—é para os valentes. E...


"Quando uma criatura vive de verdade, todas as outras também vivem"
Clarissa Pinkola Estés

Essa é a função da liberdade, porque uma pessoa livre liberta outros ao seu redor.



O Cão que Sabia o Caminho


Agora, a história...

Outro dia, no carro com um amigo, estávamos indo para o campo. No distrito de Amanhece, em Araguari, paramos numa encruzilhada. Foi ali que meu amigo reconheceu seu cachorro perdido. Na frente da padaria Esperança. E o cão reconheceu o dono. Foi um dos encontros mais bonitos e inusitados que já presenciei.


Meu amigo chamou o cão pelo nome, Valente, e ele veio. Manso, tranquilo, como se nada tivesse a perder. Não se despediu de outros cachorros, nem de uma possível cachorra no cio. Apenas subiu no carro, como se ali sempre tivesse sido seu lugar. No impulso do reencontro, pulou no colo do dono e sujou sua camiseta com patas empoeiradas. Mas meu amigo, que é puro amor, da cabeça aos pés, não se importou. Sorriu, como quem recebe de volta um pedaço de si mesmo.


E seguimos viagem. Ele não latiu, não resmungou—apenas foi.


Mas, ao final do dia, começou a se inquietar, como se quisesse voltar. Difícil saber o que se passa no coração de um cão. E o que dizer no coração de um ser humano...


Esta história é uma metáfora sobre as buscas e inquietações inerentes ao ser humano. A partida, inevitável, exige que deixemos a zona de conforto para enfrentar o desconhecido, um treino para o crescimento e o retorno ao lar.


Essa história, também, nos ensina que o amor incondicional nos atrai aos lugares e às pessoas que, de algum modo, nos esperam. 


O Tempo e o Reencontro

"Only time". Apenas o tempo para dizer quando e em qual encruzilhada, em qual país, em qual praia, praça, em qual supernova, já que somos poeira de estrelas, iremos nos encontrar. Tudo depende do tempo. O que tiver que acontecer, acontecerá. Basta manter o coração sereno,  valente e confiar. Em algum lugar, não sei onde. No futuro. Eu sinto. Iremos nos reencontrar...


"O que você procura está procurando você."
Rumi

Eu sou a Silvia, uma poeira de estrela, a eterna sonhadora, e escrevi isto. Aho!





 
 
 

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